Começamos esse review apontando para um passado não tão distante assim. No caso, se trata apenas de nossa indicação de leitura das obras mais conhecidas de Howard Phillips Lovecraft, também conhecido pela alcunha de Mestre do Horror Cósmico e pai dos Mitos de Cthulhu.
Eis que passado algum tempo do hype da série, nós da Ordem Cósmica Atemporal Fliperâmica de Verdade celebramos um ritual arcano para trazer novamente à tona, os Mistérios vislumbrados durante os 10 episódios da série Lovecraft Country disponível no HBO Max.
Se acredita ser capaz de receber a iluminação dos antigos, venha conosco! Abra sua mente mortal para os infindáveis mistérios de um universo ainda mais antigo repleto de seres chamados de Horrores Ancestrais cujo simples avistamento é capaz de contorcer a mente, corpo e alma daqueles que são fracos e indignos…
Para quem é a série?
Focada 100% na adaptação do conteúdo do livro homônimo de Matt Ruff, a produção audiovisual Lovecraft Country tem um destino claro: Atender (eficientemente) à crescente demanda por boas atrações de horror/terror no formato de série. Sendo assim, os fãs de Lovecraft podem e devem se alegrar com os (apenas) 10 episódios repletos de tramoias, reviravoltas, suspense e sustos, fantasia cósmica, cenas de ação e muitos outros assuntos tão atuais quanto eram na época do autor (1890-1937). Problemas devirados da diferença política e ideológica, leis absurdas, corrupção da força policial, segregação racial e é claro, intolerância de todo tipo e espécie.
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Alerta de Spoiler
Caso você ainda não tenha assistido à série, nem lido nossa indicação de leitura, já avisamos que esse review pode conter alguns spoilers. Faremos o possível para utilizar uma quantidade mínima deles de modo que sejam inofensivos à experiência de assistir à série. Então, dado o aviso principal, se você continuar lendo, prepare-se para o desconhecido porque não é só a Marvel que tem um multiverso de loucuras.
Sobre o que é a série?
Conforme dito mais acima, Lovecraft Country é uma produção audiovisual que foi entregue ao público na forma de uma série de 10 episódios que visam adaptar o livro homônimo do autor Matt Ruff. Disponível na plataforma HBO Max, Lovecraft Country é uma produção cujo conteúdo pode ser visto como um funil. Onde a visão macro se apresenta repleta de momentos muito bem explorados que retratam diversos encontros familiares pautados pelo convívio diário enquanto administram a boa e velha turbulência do dia a dia num bairro pobre.
Fora isso, a série é muito bem sucedida em mostrar as relações de trabalho e consumo, focando nos integrantes de uma empresa familiar que arrisca a vida viajando por locais próximos para criar um Guia de Viagens que indica os melhores locais (mais seguros) para os negros que desejam ou precisam viajar.
Assim como toda família, essa não fica pra trás na quantidade de crises, promessas não cumpridas, relacionamentos amorosos, ciúmes, raiva, vingança, ganhos e perdas em diversos níveis e sentidos. Mas é claro que a cereja do bolo está nas mãos, ou melhor, nas garras dos Terrores Lovecraftianos que surgem como elementos fantasiosos e mágicos em cenas carregadas de suspense (e alguns sustos) se desenvolvendo em momentos de violência gráfica dignos de um bom filme de Horror. Fica o destaque para a produção da série que soube dosar a mão na hora de conceber e utilizar as criaturas e efeitos tão bem expressados nos contos e histórias de H.P.Lovecraft.
Detalhando um pouco mais o trecho acima, o enredo leva a audiência a uma ambientação muito bem feita dos anos 1950. Os episódios de Lovecraft Country são claramente focados nas aventuras diárias do protagonista Atticus "Tic" Freeman (um veterano da Guerra da Coreia) e suas distintas companhias: Letitia "Leti" Lewis e seu tio George Freeman, que partem em busca de desenrolar o plot inicial da série: Encontrar o pai de Tic, Montrose Freeman, que desapareceu deixando uma estranha e misteriosa carta convidando-o a descobrir o legado de sua família.
A jornada dessa equipe inicia na cidade de Chicago e segue para o interior do estado de Massachusets, mais precisamente em direção a Ardham. Tic e cia precisam encarar todo tipo de inconveniência de uma viagem de carro nos anos 1950 além de lidar com as imposições absurdas das leis de Jim Crow de segregação racial. Como se isso já não fosse problema suficiente, as coisas começam a enlouquecer quando sem explicação nenhuma o grupo de Tic precisa enfrentar os terrores vindos diretamente dos cantos mais obscuros da mente de Lovecraft.
Jim Crow é um personagem de teatro - desenvolvido e popularizado por Thomas D. Rice (1808-1860), sendo uma representação racista dos afro-americanos e de sua cultura. Rice baseou o personagem num malandro popular chamado Jim Crow, que se tornou muito popular entre os escravos negros. As leis de Jim Crow foram leis estaduais e locais que impunham a segregação racial no sul dos Estados Unidos. Todas essas leis foram promulgadas no final do século XIX e início do século XX pelas legislaturas estaduais dominadas pelos Democratas após o período da Reconstrução;
Adicionalmente a tudo o que já foi dito, a série traz gradualmente diversos elementos religiosos (bíblicos) e místicos (não cristãos), ora complementares, ora conflitantes que contribuem para a composição do barril de pólvora que é o cenário de Lovecraft Country. Depois de alguns minutos de imersão, a audiência é apresentada aos monstros disformes, cheios de olhos, garras, dentes, tentáculos, asas e etc, ficando complicado escolher o que é pior: O desconhecido e incompreensível horror cósmico ou o igualmente mortal, racismo assassino e doentio tão nitidamente expressado em diversas situações imensamente constrangedoras. Existem horas em que a dúvida é perturbadora, principalmente quando comparadas ao momento presente em que vivemos na história do mundo, onde ainda se luta ferrenhamente contra o racismo e o preconceito de todo tipo e espécie.
Informação Técnica
Produtores:
Produtores executivos:
Elenco:
Abbey Lee como Christina Braithwhite, a única filha do líder da sociedade secreta conhecida como Ordem da Antiga Alvorada.
Aunjanue Ellis como Hippolyta Freeman, tia de Atticus.
Courtney B. Vance como George Freeman, o tio de Atticus.
Jamie Chung como Ji-Ah, uma estudante de enfermagem na Coréia.
Jada Harris como Diana Freeman, filha de George e Hippolyta.
Jonathan Majors como Atticus "Tic" Freeman, um jovem que serviu na Guerra da Coréia.
Jurnee Smollett como Letitia "Leti" Lewis, uma velha amiga e interesse amoroso de Atticus.
Michael K. Williams como Montrose Freeman, o pai de Atticus.
Wunmi Mosaku como Ruby Baptiste, a irmã mais velha de Leti.
Impressões da Série
Enredo
Lovecraft Country é uma série interessante que traz uma construção crescente. De forma que cada episódio funciona como um degrau para progredir na escada da narrativa principal. Outro modo de pensar o avanço do enredo é o de missões de um jogo de RPG, onde existe a quest principal e as diversas side quests que vão surgindo ao longo da jornada. A parte interessante é que nem sempre as side quests são enfrentadas pelo mesmo time.
Criaturas
O destaque principal desse ponto do review é: Os monstros são extremamente Lovecraftianos, possuindo pouca ou nenhuma relação antropomórfica, possuindo uma aparência perturbadora e sendo incrivelmente letais. Fora isso, a série os entrega numa estrutura que traz uma sensação interessante de “monstro da semana”. Aliando isso a diferentes mecânicas de terror, criam uma imprevisibilidade que transformam cada episódio numa surpresa única.
Clima
Os diretores criaram uma ambientação que funciona como uma corrente sendo puxada. Com ruídos perturbadores, cansando, ficando mais pesada e por fim, aumentando gradualmente o desconforto para a audiência. Os episódios imprimem uma tensão palpável que casou perfeitamente com a estética dos anos 1950, a estética fantástica e é claro, o áudio que traz sons críveis, falas carregadas de sotaques, músicas e até mesmo os sons incompreensíveis de algumas situações Lovecraftianas, sendo talvez o mais próximo que um programa chega de sintetizar a sensação de estar constantemente vigilante e hiperconsciente como o protagonista precisa estar enquanto enfrenta o horror proporcionado pelos monstros e pelos humanos (difícil saber quem é mais perigoso).
Personagens
Por mais que as séries normalmente sigam a estrutura padrão de ter seus protagonistas bem definidos, deixando claro à audiência quem é o herói, o anti-herói, o mestre, o sábio, o professor, o alívio cômico e é claro, os capangas, o vilão e todos aqueles que são descartáveis; as performances incríveis do elenco de Lovecraft Country permitem que essas definições de papéis apresentem fronteiras cinzas, mescladas de tal forma que vendem muito bem o personagem em si, criando uma sensação mista de apego, desconforto e até mesmo rejeição pelo destino de alguns deles.
Algo Mais
Em Lovecraft Country, a inteligência humana é o item mais precioso para todos os personagens, não sendo tratada como uma habilidade simples ou mesmo uma coisa rara que diferencia os protagonistas do resto do elenco. Ela vem sendo exaltada e perseguida constantemente ao longo dos episódios, trazendo provações e recompensas àqueles que se mostram aptos a sobreviver às provações impostas pelo mais perigoso dos personagens, o próprio Território Lovecraft.
Teremos uma segunda temporada?
Segundo uma publicação do Deadline em 02 de julho de 2021, a HBO declara que infelizmente a série Lovecraft Country foi cancelada e não retornará para uma segunda temporada: “Não avançaremos com uma segunda temporada de Lovecraft Country. Somos gratos pela dedicação e talento artístico de todo o elenco e equipe, assim como Misha Green, que criou esta série inovadora” disse a HBO em um comunicado, além de: “E para os fãs, obrigado por se juntar a nós nesta jornada”.
Embora o motivo de cancelar Lovecraft Country não esteja totalmente claro (assim como a maioria dos mistérios de Lovecraft), a Variety especulou que o cancelamento pode ter acontecido devido aos criadores do programa terem ficado sem muito material original para desenvolver uma nova temporada, visto que foi totalmente pautada em cima do livro de Matt Ruff.
Veredito
Poucos autores tiveram uma explosão de reconhecimento e popularidade nos últimos tempos quanto H.P. Lovecraft. Aproveitem a oportunidade para conhecer algumas obras do escritor em nossa Indicação de Leitura.
Conhecido como um dos maiores nomes do chamado horror cósmico, o escritor criou inúmeros contos sobre entidades ancestrais e terrores inomináveis, inclusive sendo reconhecido por Stephen King como uma de suas maiores inspirações para seus livros. A influência dessas histórias permeia toda a cultura pop, mas poucas obras absorveram seus escritos como Lovecraft Country. A série da HBO incorporou não apenas o lado sobrenatural, como também a enorme veia racista do escritor em uma trama poderosa que usa o horror e sobrenatural como entretenimento. Mesmo que a série não seja uma adaptação direta dos contos e livros de HP Lovecraft em si, é baseada num material que honra a obra e o legado do Mestre.
A série entregou um conjunto de histórias que se entrelaçam num final que nos surpreende (gritando por uma continuação que infelizmente não virá). Cada episódio possui um protagonista chave para o desenrolar dos eventos e, mesmo com vários focos narrativos, a história não sai do trilho, instigando a audiência a questionar como que isso ou aquilo se conecta com um problema ou situação vivida. Talvez a fórmula para essa mecânica chaveamento ter dado certo tenha sido a grande habilidade do elenco em comover a audiência usando o grande potencial imersivo de cada história.
Outro acerto em abordar os múltiplos gêneros foi a possibilidade de visitar diferentes mundos que funcionam de forma coesa para aumentar e consolidar a mitologia criada neste universo. A parte técnica da série, conta com a criadora Misha Green e nomes de peso como J. J. Abrams e Jordan Peele na produção. Pessoas que fizeram um trabalho impecável retratando os mais diversos lugares pelos quais a série passa. Desde a Coreia do Sul castigada pela guerra, passando por mundos saídos diretamente da imaginação louca dos autores, a equipe técnica fez bonito criando cenas vivas que unem cenários autênticos com alto nível de qualidade.
Ao fim de sua primeira e provavelmente única temporada, o resultado do impacto da série certamente a eleva ao rol de grandes produções televisivas dos últimos tempos. Lovecraft Country é sem dúvidas uma experiência atípica o suficiente para desestabilizar as expectativas. A série entrega um conteúdo com potencial para modificar a visão de quem se coloca à provação; caminhando em par e passo com a obra de H.P. Lovecraft e suas regras para a representação dos horrores cósmicos. Porém, nem toda produção é 100% impecável.
Existe uma premissa básica entre os chamados Mitos de Cthulhu que infelizmente não foi claramente representada em Lovecraft Country: Aquele que entra em contato com os antigos, suas representações e manifestações, invariavelmente acabam enlouquecendo permanentemente (em maior ou menor grau). Infelizmente, esse resultado não se faz presente em Lovecraft Country e, por vezes, o roteiro se vale da fórmula básica dos filmes hollywoodianos, onde se descobre o Mal, sua origem, se entende o Mal, seu poder e suas fraquezas e por fim, se vence o Mal.
Mas apesar disso, a série ainda merece:
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